“Não imiteis esse homem que se
apresenta como modelo, gabando-se das próprias qualidades para todos os ouvidos
tolerantes”.
Se alguém diz: modéstia à parte, logo denota falta
de modéstia... “O último requinte da vaidade é a falsa modéstia”, frase do
célebre ensaísta e moralista francês Jean de La Bruyère (1645/1696). Com base
na mencionada máxima do notável escritor, compomos: “A falsa modéstia não
passa de virtude ostentosa”. Aliás, virtude ostentosa é ótimo! Tremendo
contrassenso igual a este: caridade orgulhosa...
De contínuo, isso me fez lembrar uma fábula,1 tendo como figura principal bizarra
criatura onívora e cursora, ave estrutioniforme do gênero Struthio,
a maior delas, de asas rudimentares, com apenas dois dedos em cada pé, oriunda
das zonas semidesérticas da Arábia e África: a avestruz.
Reuniram-se diversos tipos de aves para um encontro
recreativo, num determinado local da floresta. Entrementes, em conversa animada
e fraterna, após encomiásticas referências às aves-do-paraíso, aos canários,
beija-flores, periquitos e papagaios, comentou-se sobre a beleza, a agilidade,
a astúcia e a elegância do voo das águias.
Dada a palavra à avestruz, partícipe também do encontro, disse
ela:
— Jamais serei como uma águia!
As colegas ovíparas e emplumadas entreolharam-se,
experimentando súbita admiração por aquele ato de modéstia. Porém, ela estragou
o gesto, ao acrescentar:
— É. Eu não só voo perfeitamente como também posso
caminhar e correr qual perfeita e exímia velocista!
Brilho apagado
À vista do até aqui exposto, dizemos que toda pessoa apontada
por suas atitudes de arrogância há de surpreender desagradavelmente aos que lhe
dão ouvidos. Esse tipo de pessoa, pela antipatia que provoca, perde o respeito
até de quem a estima. A ausência de modéstia é uma falha que, a propósito,
mancha todos os pensamentos delicados. Alojada no íntimo, ela sufoca as
virtudes, apaga o brilho de toda qualidade moral.
Por sua vez, o portador dessa tola vaidade não deixa de se
decepcionar por não poder fruir de um carinhoso e franco agradecimento pelo
benefício, por algum serviço que prestou. Depois de um obséquio,
principalmente, após um gesto nobre, se alguém se deixa levar por tal
exibicionismo, querendo se impor, forçando elogios, é digno de pena; revela sobremodo
pouquíssima elevação espiritual.
Modéstia: o inverso da vaidade que jamais deve permanecer no
íntimo de quem se diz cristão, especialmente, espírita. Afirmou o Espírito
François-Nicolas-Madeleine: “Não imiteis esse homem que se
apresenta como modelo e se gaba das próprias qualidades para todos os ouvidos
tolerantes” 2
Segundo aquela mensagem dada em Paris, França, 1863, muitas
vezes, quem se apresenta como modelo, e ainda por cima se gaba do que faz,
quase sempre esconde “pequenas torpezas e odiosas fraquezas“. A vanglória
de uma qualidade, de uma aptidão, da inteligência que se supõe ter, provém do
sentimento de orgulho.
É compreensível
Não que seja errada a íntima sensação de euforia, seguidamente
ao se despender com generosidade um bem. É compreensível sentir-se profundo e
demorado contentamento ao se minimizar a dor, a carência do próximo, por
torná-lo feliz, em outras palavras ressaltadas pela Entidade da referida
mensagem. Conforme ela, trata-se de intenso júbilo do fundo do coração. Mas, contrapondo,
disse que, desde o instante em que esse júbilo se exteriorize a fim de auferir
elogios, degenera em amor-próprio.
Amor-próprio, por extensão, é vaidade. Não
passa de orgulho que faz o insensato acreditar que possui supostas virtudes, e
o orgulho está vinculado ao egoísmo, origem de todas as misérias
deste mundo. Portanto, a falsa modéstia é decorrente do orgulho e egoísmo,
e, neste caso, necessário se torna saber se estamos em falta com a modéstia
antes que nos igualemos à avestruz da narração sobredita. Se quisermos ser
mesmo virtuosos, perseveremos em pensar, meditar, submetendo-nos a um autoexame
profundo e sincero, com o propósito de não decepcionarmos os outros e sermos
malvistos como indivíduos antipáticos pelo alardeio, pela vanglória e arrogância
que nos caracterizem.
Em suma: a falsa modéstia nada mais é que hipocrisia, ou
impostura de uma virtude. E qual o antídoto da vaidade? Segundo o Espírito
Georges: a prece.3 Para
se vencer essa tolice, é preciso valer-se da prece, mas, é claro, da prece
sincera, e da efetiva vigilância de pensamentos e sentimentos. “Vigiar e
orar”, indicou Jesus... Qualquer um pode utilizar-se de judicioso expediente,
se, de fato, quiser ser feliz, ainda que, neste mundo, tenha esta ou aquela
crença. E os espíritas — especialmente os espíritas! —, sabemos
como ninguém que a única grandeza reconhecida por Deus é a humildade e que só
serão reconhecidos pelo Altíssimo através dos esforços empregados no combate ao
referido defeito que deslustra e enfraquece a força de todo ato generoso.4
1A partir de um breve texto do poeta alemão
Christian Friedrich Hebbel (1813/1863).
2KARDEC, Allan. O evangelho
segundo o espiritismo. Tradução Herculano Pires. 62. ed. São Paulo: Lake —
Livraria Allan Kardec Editora, 2001. Capítulo 17, item 8, página 228.
3_____. Revista espírita: jornal de
estudos psicológicos (1860). São Paulo: Edicel — Editora Cultural
Espírita Ltda., s/d. p. 197.
4._____. O evangelho segundo o Espiritismo. Trad. H.
Pires. 62. ed. São Paulo: Lake, 2001. Cap. 17, it. 4, p. 224.
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