Ouvem, veem, e não entendem

Davilson Silva-

Sem refletir no verdadeiro móvel da amorosa chamada do Mestre, mesmo dizendo-se cristãos, muitos permanecem abstraídos segundo uma fé individualista, cega, traduzida em excessivas expressões. 

“Quem tem ouvidos de ouvir e olhos de ver que ouça e veja”, asseverava Jesus... Por ouvidos de ouvir entendamos emprego feito com atenção a algum significado, ao passo que olhos de ver não é só um ato de persuasão visual, e sim de convencimento segundo lógica dos fatos por minucioso exame.


Mestre Jesus servia-Se de parábolas e, por analogia, usava de símbolos como princípios básicos da expressão a fim de ensinar e prestar esclarecimentos acerca de temas de ordem superior. Sua narrativa, portanto, alegórica e curta, Ele a transmitia em historietas de conteúdo ético-moral. Lições de cunho moralizante, essas historietas, no conceito de Jesus, deveriam ser ouvidas com “ouvidos de ouvir”; ouvidos de ouvir, entendamos, ainda, ouvidos interessados, sem sentimento de arrogância, e sim de humildade; “olhos de ver”, olhos que refletem, meditam e, que, sobretudo, podem crer pela tendência inata que tem a criatura humana de avaliar, julgar, ponderar ideias. 

A maioria das pessoas tem ouvido os ensinamentos de Jesus sem interesse de aceitar aquilo que consiste na profundeza conceitual da Sua verdadeira doutrina. Essa maioria, instruída oral e metodicamente sobre coisas religiosas, apenas tem se contentado com o superficialismo da letra. Sem refletir no verdadeiro móvel da amorosa chamada do Mestre, mesmo dizendo-se cristãos, muitos permanecem abstraídos segundo uma fé individualista, cega, traduzida em excessivas expressões. 

Significado da parábola Reconciliar primeiro
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E já que o assunto é parábola, recordemos a Parábola da festa de Núpcias.¹ Essa narrativa de extraordinária dramaticidade concentra todo o seu poder em um único ponto de interesse: o grande “banquete da fé universal”, lauto repasto da imortalidade gloriosa. Tem-se por costume exigir em banquetes um traje a rigor. Pois bem. O traje desse evento representa as vestes alvas da pureza perispirítica. Uma das mais complexas figuras de Jesus, nela, o Reino dos Céus é comparado a um lugar de festanças, de abundantes repastos e de alegria. O reino dos céus, aqui no caso, significa os incontáveis pontos interdimensionais, cada um menos denso e mais feliz que o outro, as diversas “moradas” do universo infinito. Jesus, pelas Suas parábolas, no fundo, só desejou fazer penetrar no povo uma visão da existência imponderável, infundindo-lhe ideias sadias, elevadas.

Ele falava acerca das coisas espirituais daquele modo porque aos Seus circunstantes faltava certo grau de maturidade intelecto-moral. Àquele povo chegado a imolações e certos de que satisfaziam a Deus com ofertas e sacrifícios fora aconselhado a adorá-Lo, nos atos comuns da vida, no altar do coração. A observância da Lei Maior era o que aquela e outras parábolas tentavam passar, desejando abrir-lhes os novos horizontes da existência futura. 

Reconciliar primeiro

Mais importante que ter fé em Deus era rigorosamente atender a Lei de Amor e Caridade. Para o Mestre, a prática dessa Lei tinha que ser em toda a sua extensão. Devido ao continuado ato de oferendas de animais em altares, sacrificados ou não, tais como pombos, ovelhas, bodes, etc., Jesus, antes de tudo, recomendava àquela gente a reconciliação para depois pôr as “ofertas” diante do altar de pedra. Como vimos, agrada mais a Deus o ato reconciliatório cujo ponto culminante é a mais bela de todas as virtudes: o perdão sincero

Note que Jesus, todo paciência, todo complacência jamais proibiu algo, condenou isto ou aquilo, ou a quem quer que seja por pensar diferente d’Ele. Ele sabia que aquelas pessoas voltariam ao cenário terreno pelo misericordioso ensejo da reencarnação e, com o tempo, viriam de compreendê-Lo melhor, compenetrando-se de que Deus se adora em espírito e verdade, e que fora da caridade não há salvação. Pelas parábolas, o Sublime Educador dava jeito a que o Seu pensamento fosse de acordo com os costumes daquele povo mais arraigado na forma que no fundo; todavia, desde aqueles tempos, esse radicalismo pertinaz permanece ainda muito forte. 

A reencarnação de Elias 

Jesus entre os Espíritos Moisés 
e Elias no Monte Tabor 
Em se falando de reencarnação, vejamos agora certa curiosidade. Os hebreus não tinham mesmo os “olhos desgrudados”, segundo palavras do profeta Isaías (Isaías 44:18). Muito embora os antigos povos semitas não entendessem os ensinamentos de Jesus em sua plenitude, o interessante é que se davam conta de que João, primo do Mestre, pudesse ser a reencarnação de Elias.² Imaginavam não só a possibilidade de João ser a reencarnação do profeta de Tesbi como a do próprio Nazareno, ou a reencarnação de Jeremias, ou a de um dos antigos profetas. Refutam os contraditores: “Mas João negou ser Elias” (João 1:21). Dizemos nós: mas ele também negou ser profeta, ainda que Jesus tivesse dito: Entre os nascidos de mulher não houve um profeta melhor que João Batista (Lucas 7:28). 

Em geral, poucos tem olhos e ouvidos inteligentes... Madalenas, Zaqueus e Saulos são raros hoje em dia. Allan Kardec, por sua vez, teve ouvidos de ouvir e olhos de ver para os primeiros sinais das mesas girantes e de outros fenômenos. Quanto a parábolas, graças ao Ensino dos Espíritos e a Kardec, já lhes podemos alcançar a essência antes oculta sob escritos revelados por caracteres. Levemos a efeito o que de mais sublime encerra os ensinamentos de Jesus, só assim, partiremos os grilhões da escravidão do ignorantismo espiritual que se demora no mundo.

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1KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução Herculano Pires. 62. ed. São Paulo: Lake — Livraria Allan Kardec Editora, 2001. Cap. 18, item 1 e 2, p. 233.

2 Idem, ibidem. Cap. 4, item 10 e 11, p. 64.


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