Fora de Cristo não há salvação

Davilson Silva-

Conforme o Cristianismo dos concílios, há apenas um caminho, Jesus, e uma única fé sobre a qual não se permite compreendê-la à luz da razão a fim de penetrá-la com a força do raciocínio.


A intolerância religiosa entre católicos e protestantes levou muitos à morte na Noite do Massacre de São Bartolomeu, 
em 23 e 24 de agosto de 1572, Paris, conforme apresenta esta tela de François Dubois (1509/1584).
No Evangelho de João há uma passagem que diz ser Jesus Cristo “caminho, verdade e vida” (João, 14, 6). Esta ideia sempre me estorvou. Tema contraditório, por esse motivo, muito me incomoda citá-lo escrevendo ou falando sem ater ao que me instiga o questionamento.

Da máxima, eu sou o caminho, verdade e vida, saiu o chavão: “Só Jesus salva”. Além do mais, Cristo ainda seria chefe da Igreja e teria dado a Pedro o cargo de papa por entregar-lhe em confiança as “chaves do Reino dos Céus” (Mateus, 16, 18 e 19). Eu sou o caminho, a verdade e a vida não condiz com o conceito de Mestre dos Mestres, de arquétipo da figura humana sublimada que fazemos de Jesus.

E a maioria dos habitantes planetários que seguiram e seguem outras crenças? A ela o Inferno? Hinduístas, jainistas, sikhistas, budistas, taoístas, confucionistas, xintoístas, judeus, muçulmanos e outros estariam excluídos da bondade e misericórdia divina? Por não seguirem a Jesus, em consequência da ideia de que fora de Cristo não há salvação (parecida com o fora da Igreja, ou da verdade, não há salvação), estariam isentos das chamadas bem-aventuranças... (É assim que pensam e é por isso que trataram de eliminar a doutrina da reencarnação no ano 553 d.C. durante o Concílio de Constantinopla.)

Ofende e põe em dúvida a inteligência e autoridade moral de Jesus

Grande injustiça, uma incoerência daquelas que só a intolerância perpetra. Tal máxima não pode ter saído da boca do Mestre, exatamente como se pensa, Ele, acima de tudo, um pluralista. Em nosso modo de ver, o Cristianismo de Cristo, universalizado, genuína e eminentemente espiritual, não se mescla a catequeses dogmáticas nem se restringe a deliberações votadas em concílios.

Intolerância protestante, destruição de ícones em Zurich, em 1524
Ofende a honra do Mestre essa interpretação exclusivista porque estabelece diferença entre religiões. Trata-se de um grande erro das igrejas ocidentais em detrimento à concórdia, à fraternidade. Adicionado ao conclusivo: ninguém vai ao Pai (Deus), se não por mim, essa doutrina anula o respeito mútuo que deveria prevalecer entre adeptos de diferentes credos. Ora! Tais afirmativas põem em dúvida a inteligência e autoridade moral de Jesus. (Por sinal, não acredito em “ecumenismo”; o diálogo inter-religioso, por ora, é utópico; mas o respeito entre as religiões, sim, é possível, haja vista a deferência por todas elas no meio espírita.)

Conforme o Cristianismo dos concílios, há apenas um caminho, Jesus, e uma única fé sobre a qual não se permite compreendê-la à luz da razão a fim de penetrá-la com a força do raciocínio. E por terem nomeado Jesus “Rei dos reis”, Ele, o único caminho, quem não Lhe adota a pretensa “religião cristã”, logo está desencaminhado, ou como dizem, “condenado”; e sendo Jesus a verdade, todos os outros caminhos são enganosos, portanto, detestáveis e malditos seus líderes e todos os que o seguem; Jesus é a vida, então quem crê diferentemente da doutrina que O vê como um monarca já estaria antecipadamente "morto".

"Caminho, verdade e vida", salvadores da humanidade que se declararam unigênitos, fizeram milagres, nasceram de uma virgem...

Da esquerda para a direita: Horus; Mitra; Krishna; Dionisius; Jesus de Nazaré; Apolonio de Tyana
Aquela interpretação de Jesus discrimina crenças antigas que, aliás, existiam muito antes do que consideram Cristianismo. O preceito a Ele atribuído vem de longas datas, quatro ou cinco mil anos antes. Pelo menos, dois líderes da antiguidade declaravam-se também luz do mundoo caminho, a verdade e a vida.

Um deles, Krishina, além de filho de Deus, segundo as sagradas escrituras hinduístas, seria também o verbo encarnado, o primeiro salvador da humanidade. O mais curioso: nascera de uma virgem, isto cerca dez mil anos a.C. No Hinduísmo, ele é o único caminho, vida e luz da verdade ― “Eu sou o caminho [...]; eu sou a vida [...]; sou eu mesmo também a luz da Verdade [...]” Certa divindade egípcia, Hórus, quatro mil anos a.C., tinha-se da mesma forma por luz do mundo, a caminho da verdade e a vida.

Como vimos, Jesus não foi o único a dizer-se um só caminho, uma só verdade e vida. Veja, o mencionado preceito é do evangelista João, e não de Jesus. Quem pode garantir que Ele falara exatamente aquilo? Se o Mestre referira-Se a caminho, verdade e vida, talvez quisesse dar um outro sentido. (Probabilidades! E não é para menos, haja vista as interpolações no Antigo e Novo Testamento, meio astucioso de que se serviu e serve-se a Igreja como medida necessária para o resguardo e permanência do poder temporal.)

Conclusão

No Cristianismo de Jesus, o “reino” dEle é em outro lugar e estar salvo significa algo mais bem diverso... O reinado de Jesus encontrar-se-á no coração daquele que procure viver em paz com o seu próximo, com os mais próximos, com todos e, deste modo, com Deus. Alcançou a salvação aquele que assim se mantenha e faça por onde cada vez mais aperfeiçoar o caráter remido na firmeza e coerência de atitudes no autoconhecimento e no domínio de si quanto à humildade, honestidade e bondade para com todos, indistintamente.

A Caridade-Amor sim é que é o único caminho da referida salvação, acima de quaisquer rótulos religiosos aos quais devemos respeito fraterno; isto é o que nos aproxima do único “dono da verdade”, que é Deus, e dá grande proveito à nossa vida; se houvesse outro caminho, meu amigo ou minha amiga, Jesus o teria dito, e um famoso apóstolo, aquele mesmo que escreveu certa carta, realçar-lhe-ia a palavra.*
  
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*Paulo, 1.a Carta aos Coríntios, capitulo 13, versículos de 1 a 7 e 13.


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